Artigos

               Os textos a seguir foram extraídos do livro “Viver e morar no século XVIII: Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, de Arley Andriolo. Editora Saraiva       
                                    
                                                         Pousos e arraiais

            A partir dos achados de ouro, começaram a aparecer algumas modestas construções nas encostas dos morros, ao redor dos buracos das minas. Sempre presente era a construção de uma capela, para abrigar o santo de devoção daqueles que fundavam o povoado. De modo geral, essas capelas eram feitas de madeira e barro, cobertas com folhas de árvores da região, como as habitações indígenas. Esses pequenos núcleos de povoamento foram chamados de arraiais.
            Os arraiais compunham a maioria dos povoados das regiões de mineração. Quando o arraial crescia e ganhava importância maior, o rei de Portugal, na pessoa do governador da capitania, decretava a sua elevação à condição de vila. Alguns recebiam esse título pelo sucesso na exploração de minérios ou pela intensa atividade comercial. As vilas representavam um novo estágio do povoado. Quando elevadas a essa condição, passavam a ter direitos sobre as suas terras e a administrar seu território.

                                                       Ruas tortuosas

            Depois de erguida a capela, as novas construções do arraial se distribuíam em torno dela. No início, deixavam um espaço à frente do templo chamado de “adro”; como veremos, importante local de encontro entre os habitantes e para as futuras ampliações da construção.
            As habitações eram construídas ao longo dos caminhos, os quais eram muitas vezes tortuosos, pois seguiam os passos de mulas que transitavam nas encostas irregulares dos morros.
            Com o crescimento do arraial, as casas iam ocupando os vários espaços vazios, deixando livres apenas aqueles antigos caminhos e algumas vielas que ligavam as  vias principais. No início, a maioria das ruas permanecia de terra. Apenas as mais importantes, como aquelas que levavam à matrizes(chamadas em geral de “Rua Direita”), recebiam calçamento. Esse calçamento era feito com pedras extraídas da região.

                                               A Câmara e o pelourinho

            Quando o arraial era elevado a vila, erguia-se na parte mais importante do povoado um pelourinho, a partir do qual media-se o tamanho do território no entorno da vila. Marcava-se, assim, o seu centro administrativo.
            Muitos lembram do pelourinho apenas como o local onde se amarravam os escravos para o açoite. Assim eram os das fazendas ou das casas particulares. Esse, construído no centro da vila, servia também para o anúncio dos editais da Câmara, das normas da Coroa, ou ainda das sentenças dos condenados. Além disso, nele se açoitavam brancos que contrariavam as leis da Coroa e da Vila e também os negros fugitivos. Era o castigo exemplar para todos os habitantes.
            O pelourinho ficava em frente a um importante edifício para as vilas coloniais: a casa da Câmara e a Cadeia. Com a elevação da vila, os habitantes tinham por obrigação construir um prédio que abrigasse os vereadores, responsáveis pela elaboração das leis municipais.
            Na Casa de Câmara e Cadeia, geralmente, o andar superior era reservado aos veradores e a outras salas destinadas à administração da vila. O andar inferior, e muitas vezes o subsolo, era o local onde funcionava a cadeia.

                         Viver e construir com barro e pedras

            As primeiras construções (no padrão português) das regiões de mineração foram feitas pelos bandeirantes. Tanto as casas como as capelas eram, em sua maioria, reproduções daquelas construídas em São Paulo e feitas de barro, a principal matéria-prima.
            Ao barro era somada a madeira e as fibras vegetais. O modo mais simples e predominante era a “taipa de mão”, “taipa de sopapo”, ou como é mais conhecido, “pau a pique”. Neste caso, paus compridos eram amarrados uns aos outros com fibras formando um grande xadrez. Com as mãos pegavam o barro, que era fixado nos paus formando uma parede.
            Para as construções maiores utilizavam uma técnica chamada de “taipa de pilão”.(...)
            Os beirais, que demonstravam a riqueza do dono da residência, serviam principalmente, para jogar as águas da chuva  na rua, longe das paredes feitas de barro, porque as águas acumuladas nas suas bases poderiam derrubá-las. No início da ocupação do território, todas as construções seguiram essa técnica. Porém, com a adaptação à natureza local, outras técnicas foram usadas.
            A Câmara e Cadeia de Ouro Preto, por exemplo, foi toda construída  com pedras da região, tendo sido gastos mais de sessenta anos para ser finalizada(1784 a 1846). A técnica era a seguinte: fazia-se uma massa para colar os pedaços de pedra, que depois eram cortados em tamanhos pré-definidos. Estas eram edificações de custo muito mais elevado que as feitas de taipa.
            Mesmo usando outras técnicas, era comum que no interior dessas construções de pedra as paredes fossem feitas de pau a pique. Ou ainda com adobe, um tijolo de barro secado ao sol.
            As obras dos grandes edifícios podiam durar mais de cinquenta anos. No caso das igrejas, no início fazia-se uma igrejinha (capela) que depois daria lugar ao altar principal. A partir do altar construía-se um grande salão (nave) e o telhado. As obras internas de ornamentação ficavam para o final; o douramento dos altares e as pinturas eram realizadas por etapas e por artistas diferentes, o que fez com que algumas igrejas demorassem mais de um século para ficar prontas.

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FICHA nº6

 A Colonização Inglesa na América - Texto I 

A criação das treze colônias na América do Norte teve início no século XVII, com a fundação da colônia da Virgínia, em 1607. 
            Em 1620, algumas famílias, cerca de 100 puritanos, a bordo de um navio denominado Mayflower, deixaram a Inglaterra e desembarcaram na costa leste onde fundaram Plymouth, núcleo inicial da futura colônia de Massachusetts, iniciando a colonização da chamada Nova Inglaterra. Hoje os participantes dessa primeira onda migratória são conhecidos como pilgrim fathers, pais peregrinos.  Por volta de 1740, já haviam sido fundadas as treze colônias na costa leste dos atuais Estados Unidos. 
            Os ingleses emigravam para a América por diferentes razões. Além de buscarem melhores condições de vida, grande parte deles fugia das perseguições religiosas, que se tornaram comuns a partir da afirmação do anglicanismo como religião oficial na Inglaterra. Havia também aqueles que eram opositores do governo inglês e, fugindo de perseguições políticas, estabeleciam-se na América. 
            Os colonos ingleses que se estabeleceram na América eram, em sua maioria, carpinteiros, tecelões, ferreiros, fabricantes de tijolos, serradores e alfaiates. A maioria deles não tinha dinheiro para pagar sua passagem e as despesas de viagem. Por isso acabavam realizando contratos pelos quais se comprometiam a trabalhar por um período de cerca de quatro a seis anos para quem saldasse sua dívida. Tornavam-se servos por contrato, que no início da colonização inglesa na América representavam a base da mão-de-obra. Terminado o contrato, alguns recebiam uma pequena ajuda dos patrões para começar uma nova vida. Estabeleciam-se nas fronteiras das áreas ocupadas, onde a terra era mais barata, tornando-se pequenos proprietários. No entanto, a maioria dos servos por contrato não conseguia meios para montar seu próprio negócio ou comprar terras. Alguns, com o fim da servidão, atuavam como trabalhadores assalariados, exercendo profissões diversas. 
            Havia também os aristocratas. Esses eram membros de um pequeno grupo de famílias, donos de grandes propriedades rurais ou responsáveis pelo comércio das colônias com a Inglaterra. Os pequenos proprietários trabalhavam com a ajuda família, contando com a ajuda de alguns empregados. 
            Quando os europeus chegaram à América do Norte, os indígenas viviam basicamente da pesca, da caça e da prática rudimentar da agricultura. 
            O contato com os europeus representou para a maioria deles o aniquilamento ou a necessidade de fuga para terras mais para o interior. Alguns, entretanto, passaram a realizar um comércio regular com os colonos: trocavam peles de animais por produtos de seu interesse. 
            No início da colonização, os escravos africanos eram em pequeno número e se concentravam mais nas colônias do sul, que se especializaram na produção de gêneros de produtos de exportação. No século XVIII, com a expansão dessas colônias, a quantidade de escravos negros aumentou, chegando a representar 40% do total dos habitantes dessa região. Já nas colônias do Norte eles eram em número reduzido e trabalhavam principalmente como escravos domésticos para as famílias mais ricas. 
            Os indígenas e africanos representavam uma importante parcela da população das colônias inglesas, mas a eles eram negados todos os direitos e vantagens concedidos aos demais habitantes da América inglesa. 

Adaptado de: DREGUER, Ricardo, TOLEDO, Eliete. História - Cotidiano e Mentalidades Vol. 3. São Paulo:Atual,2000 

                      O Mayflower - Texto II 

    O episódio do Mayflower foi um dos mitos fundadores da identidade norte-americana. Os passageiros que embarcaram em Plymouth, em setembro de 1620, eram 102 colonos, entre os quais 35 puritanos expulsos da Inglaterra, que se autodenominaram pilgrim fathers ("pais peregrinos"). Muitos puritanos ingleses, perseguidos pela política intransigente de Jaime I, dirigiram-se às Províncias Unidas, mas a América foi escolhida por esse pequeno grupo exatamente na época em que a Virgínia Company, fundada em 1606, organizava o povoamento da nova colônia inglesa da Virgínia. O empreendimento do Mayflower foi, portanto, comercial e colonizador. Em novembro de 1620, o veleiro chegou ao litoral do atual Massachusetts, um lugar também batizado  de Plymouth. Os passageiros perceberam que haviam errado o ponto de chegada, mas se conformaram em desembarcar em uma terra inóspita e desconhecida. Os pais peregrinos e seu companheiros assinaram, ainda no navio, um compromisso conhecido como Mayflower Compact Act, que ditava os princípios que deveriam reger o futuro estabelecimento. Além disso, logo após o desembarque, a comunidade concluiu um tratado de paz com os pacíficos indígenas das redondezas. No primeiro ano, a fome e a doença exterminaram 49 colonos. Os sobreviventes resistiram graças aos perus selvagens, ao milho e às frutas fornecidas pelos indígenas. Naqueles tempos difíceis, o chefe da comunidade, William Bradford, organizou, em novembro de 1621, um Thanksgiving Day (Dia de Ação de Graças). A data continuou a ser comemorada anualmente, na Nova Inglaterra, até que o presidente Abraham  Lincoln a declarou festa nacional em 1863. Ainda hoje, na quarta quinta-feira de novembro, as famílias norte-americanas se reúnem para uma refeição tradicional que lembra a dos pais peregrinos: peru, batata-doce, milho e torta de abóbora de sobremesa. A instalação dos puritanos do Mayflower foi seguida de muitas outras: a América do Norte, particularmente a Nova Inglaterra, tornou-se o refúgio das minorias protestantes ameaçadas no território inglês. 

História em curso:da Antiguidade à Globalização/coordenação Armelle Enders, Marieta de Moraes, Renato Franco.1ed.São Paulo:Editora do Brasil;Rio de Janeiro:Fundação Getúlio Vargas,2008 



                                                                                           Ficha nº 7


    A colonização inglesa na América 
  
A fundação de Plymouth mostra que o início da colonização inglesa foi uma iniciativa individual e particular, e não um empreendimento dirigido pela Coroa, como ocorreu com a colonização ibérica. Isso não significa que a Coroa inglesa tenha ficado de fora dessa empreitada. Antes mesmo da viagem do Mayflower, a Coroa autorizou as companhias inglesas de comércio a levar colonos para a América e a explorar comercialmente suas terras. 

1 - A formação das treze colônias inglesas 

A participação de empresas e homens de negócios foi decisiva para a criação de novos núcleos coloniais ingleses na América do Norte. Depois de Plymouth, a colonização se ampliou no norte com a fundação de Connecticut (1633), Rhode Island (1636) e New Hampshire (1638). 
No centro, na faixa litorânea intermediária entre Massachusetts e Virgínia, suecos criaram os primeiros núcleos coloniais. Conquistados mais tarde pelos holandeses, esses núcleos passaram, em 1664, para o domínio inglês, dando origem às colônias de Delaware, Nova Jersey e Pensilvânia. No mesmo ano, a colônia de Nova Amsterdã, fundada por holandeses, foi tomada pelos ingleses e passou a se chamar Nova York. 
A ocupação do sul, nas proximidades da Virgínia, também se expandiu, com a fundação de Maryland (1632) e Carolina (1663), posteriormente dividida em  Carolina do Norte e Carolina do Sul. A Geórgia, fundada em 1733, completou o quadro das treze colônias inglesas da América do Norte. 

1.1 - As Colônias do Norte e do Centro 

Ao contrário do que ocorria nas colônias portuguesas e espanholas, as treze colônias inglesas tinham autonomia política e desfrutavam de uma liberdade religiosa que não existia na Europa. Essa relativa tolerância facilitou a imigração de diversos grupos religiosos, como católicos e judeus, além de puritanos. 
As colônias do Norte compunham a chamada Nova Inglaterra, nome que identificava o sonho dos colonos de recriar na América o país de onde tinham vindo. Os puritanos representavam a maioria da população local. Eles estabeleceram regras morais e religiosas muito rígidas e chegaram a perseguir os não puritanos. 
Os colonos criavam animais, principalmente ovelhas, que ofereciam matéria-prima para a produção de tecidos. Eles também praticavam a caça e a pesca com fins comerciais e extraíam madeira, utilizada para a construção de barcos. O litoral da região oferecia ótimas condições para que barcos atracassem, facilitando o comércio marítimo. 
A agricultura era limitada pelo terreno acidentado e pelo clima frio. Por isso, predominavam os alimentos de subsistência, cultivados pela própria família ou por servos temporários, em pequenas propriedades rurais. O cultivo combinava vegetais trazidos da Europa (trigo, cevada, maçã, pêssego) e plantios aprendidos com os nativos (batata e milho, principalmente). 
As colônias do Centro eram economicamente muito parecidas com a Nova Inglaterra. No entanto, as diferenças culturais e religiosas eram grandes, devido principalmente à presença de outros povos na região, como holandeses, suecos e alemães. A maior diversidade étnica nessas colônias contribuiu para formar uma atitude de tolerância cultural e religiosa que não existiu no Norte e no Sul. 

1.2 - As colônias do sul 

As colônias do sul diferenciavam-se bastante das demais ocupações inglesas na América do Norte. A grande presença de católicos já as distinguia do predomínio protestante no norte e no centro. 
As colônias dos sul formavam uma sociedade escravista muito desigual: os negros e seus descendentes eram fortemente discriminados. 
A economia da região baseava-se na produção agrícola monocultora, cultivada em grandes propriedades com emprego de mão de obra escrava. Esse sistema, denominado plantation, era semelhante ao praticado por Portugal e Espanha em suas colônias americanas. Nas grandes fazendas do sul eram cultivados algodão, arroz, tabaco e anil. Os produtos abasteciam principalmente a Inglaterra e eram negociados pelas companhias de comércio inglesas. 
Porém, ao contrário do que ocorria na América ibérica, essas companhias tinham mais liberdade na comercialização das mercadorias, não se limitando aos negócios com a metrópole. Isso permitiu o surgimento de relações comerciais mais diversificadas, que incluíam o chamado comércio triangular. 

2 - O comércio triangular 

O chamado comércio triangular envolvia as treze colônias, as Antilhas (Caribe) e a África. Ele era facilitado pela autonomia que a Inglaterra concedia às suas colônias e pela independência que elas tinham entre si. 
Em geral, os colonos do norte compravam açúcar e melaço das colônias antilhanas e os transformavam em rum. Depois, eles trocavam esse rum e outros manufaturados produzidos no norte, como tecidos e armas, por escravos na África. Os escravos, por sua vez, eram vendidos para as colônias inglesas do sul e das Antilhas. 
Os lucros gerados por esse comércio intercontinental, que incluía o rentável tráfico negreiro, eram muito altos. A venda de escravos para o Caribe permitia os colonos do norte obter mais melaço e açúcar, que eram utilizados em futuras trocas. Os sulistas, por sua vez, conseguiam mão de obra para cultivar as grandes propriedades monocultoras. 

Texto adaptado do livro: 
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. 7ºano. 1ed.São Paulo:Moderna,2011 


                                                 FICHA nº8

                                            A administração das treze colônias
          As treze colônias desfrutavam de muita autonomia em relação à metrópole, além de serem independentes entre si. Não havia um sistema que as unificasse sob um mesmo comando, ao contrário do que ocorreu na América portuguesa, com o governo-geral, e na América espanhola, com os vice-reinados.
         Cada colônia tinha seu próprio governante, que era diretamente subordinado à Coroa inglesa. Nas colônias do sul, onde se produziam artigos mais lucrativos para o comércio europeu, o governador era indicado pela Coroa. No centro e no norte, os colonos tinham o direito de escolher seus governantes e representantes para as assembleias locais.
A autonomia política das treze colônias foi mantida após a independência e ainda hoje é uma das bases do modelo político nacional dos estados Unidos.

                                                        A educação de base protestante

                Uma das bases da reforma Protestante na Europa foi a defesa da livre interpretação dos textos bíblicos. Para isso, os fiéis precisavam ser alfabetizados. Assim, o predomínio de protestantes na colonização inglesa na América do Norte colaborou para a tomada de medidas importantes na área da educação.
               Em 1642, uma lei da colônia de Massachusetts exigia que os pais garantissem o desenvolvimento da leitura e da escrita de seus filhos, para que eles aprendessem a doutrina protestante e as leis locais.
                                                                 O ensino superior
               A necessidade de formar pessoas para as funções religiosas e administrativas das treze colônias levou os governos a dar atenção também ao ensino superior. Até 1764, foram criadas sete universidades nas colônias da América do Norte.
              Muitos filhos de famílias ricas iam estudar na França ou na Inglaterra. Ao voltar para a América, os jovens traziam também muitas ideias e conhecimentos que se difundiam na Europa. Assim, no século XVIII, as instituições de nível superior das treze colônias receberam muita influência do pensamento iluminista europeu.
             A preocupação com a educação fez das colônias inglesas da América do Norte a região com o menor índice de analfabetismo do Novo Mundo. É importante lembrar, porém, que os homens brancos e ricos formavam a maior parte da população instruída.

Texto adaptado do livro:
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. 7ºano. 1ed.São Paulo:Moderna, 2011 Ensino Fundamental II – 8 º ano 

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Os Bandeirantes : No mato sem cachorro

Entre cascavéis, onças e flechas inimigas, os bandeirantes ainda perigavam morrer de fome nos sertões

Glória Kok

Altivos, imponentes, longas botas, chapéu e armas vistosas. Esqueça a imagem típica dos bandeirantes difundida pelos livros didáticos. A realidade era bem outra: as tropas caminhavam descalças por extensos territórios, sujeitas a todo tipo de desconforto, à mercê dos ataques de índios e de animais, fustigadas pela fome.
Antes de virar herói – invenção da elite no início da República, para enaltecer a capacidade de liderança dos paulistas –, o bandeirante foi o protagonista de uma colonização árdua e violenta, que durante mais de dois séculos desenvolveu uma cultura própria, bem distante dos padrões europeus.
Desde o século XVI até as primeiras décadas do XVIII, expedições partiram em busca de metais preciosos e de índios para serem vendidos como escravos nas plantações que abasteciam a Colônia. Essas incursões ganharam o nome de “bandeiras” – possivelmente por causa do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em sinal de guerra.
O sucesso das empreitadas dependia do “cabo da tropa”, ou “capitão do arraial”, sertanista experiente que tinha poder absoluto sobre seus subordinados. O cabo reunia na tropa seus filhos (mesmo ainda adolescentes), parentes e agregados para auxiliá-lo no comando, fazendo das bandeiras um negócio eminentemente familiar. 
O capelão era outra figura obrigatória, encarregado de dar assistência espiritual à tropa. Grupos maiores contavam também com o alferes-mor, responsável pela partilha dos índios capturados, e o escrivão. Mulheres índias ou mestiças (temericó) acompanhavam os bandeirantes pelo sertão na condição de escravas.
No entanto, a maioria dos integrantes eram escravos indígenas, geralmente guaranis ou carijós, que formavam tropas auxiliares encarregadas de combater e capturar índios no sertão. Vale dizer que, em meados do século XVII, 83% da população da vila de São Paulo era formada por índios. Os mamelucos, descendentes de pai branco e mãe índia, muitas vezes atuavam como guias e intérpretes, pois falavam a “língua geral” (tupi) e transitavam entre o mundo indígena e o português. Serviam também de “isca” para as capturas: vestidos com batinas pretas e cabelos cortados em tonsuras, passavam-se por jesuítas e assim escravizavam os índios sem maiores resistências.  
Conhecimentos herdados pelos mamelucos eram cruciais para a sobrevivência no sertão: orientação e observação dos movimentos do Sol, dos astros e dos rastros, técnicas de caça e pesca, construção de embarcações e mareagem pelos rios, sistemas de comunicação por meio do fogo e da sinalização com gravetos, além da classificação da flora e da fauna, fundamental para a seleção de alimentos, bebidas e medicamentos. 
Os bandeirantes utilizavam vários tipos de armas: espadas, adagas, lanças, facas, terçados e alfanjes, além das de fogo (espingardas, bacamartes, mosquetes, arcabuzes, pistolas e escopetas). Na hora do combate, contudo, preferiam recorrer aos arcos e flechas indígenas, pois as armas de fogo geralmente enferrujavam e eram de difícil manejo no calor das batalhas. Para se defender das flechas inimigas, usavam gibão de couro de anta recheado de algodão.
Um meio eficiente de seduzir os índios era oferecer-lhes suprimentos como anzóis, contas, facas, espelhos, tesouras e aguardentes de cana. O escambo, prática tradicional das sociedades indígenas, foi empregado na primeira etapa das bandeiras com o intuito de transformar, por meio “amigável”, os nativos em escravos.  
Já no final do século XVI, a crescente demanda de mão-de-obra das grandes fazendas agrícolas do planalto motiva expedições para sertões mais distantes. A primeira bandeira de grande porte saiu de São Paulo em 1628, sob o comando do famoso Antônio Raposo Tavares (1598-1658), com cerca de 900 paulistas e dois mil guerreiros tupis. Raposo se estabeleceu num arraial na entrada do território de Guairá, e dali comandou violentos ataques às aldeias e missões espanholas daquela região, e também em Tape (atual Rio Grande do Sul) e Itatim (atual Mato Grosso do Sul), nas proximidades da bacia do Rio da Prata. Conta o jesuíta Ruiz de Montoya que os paulistas destruíram onze missões com populações de três mil a cinco mil índios – o que resulta num total de 33 mil a 55 mil índios capturados. Para Luiz Felipe de Alencastro, na zona de Guairá e Tape as bandeiras capturaram aproximadamente 100 mil indígenas, em uma das “operações escravistas mais predatórias da história moderna”. 
Em 1641, a Batalha no Rio Mbororé, afluente do Uruguai, marcou o fim das expedições paulistas às missões espanholas. A bandeira de Jerônimo Pedroso de Barros, com 350 bandeirantes e 600 índios tupis em 130 canoas, foi surpreendida e derrotada, numa batalha de seis dias, por 300 índios guaranis em 70 canoas, armados com arcabuzes e arcos da Missão de São Francisco Xavier (atual Argentina). Depois dessa derrota, os bandeirantes mudaram de rumo e passaram a capturar índios na região Centro-Oeste.
Suas condições de vida eram precárias. Os mantimentos eram apenas cabaças de sal e pães de “farinha de guerra”, feitos de mandioca ou de milho. Completavam seu sustento por meio da caça e da pesca, e incorporavam ao cardápio alimentos improvisados: frutas silvestres, pinhão, raízes, tubérculos, palmitos, mel-de-pau, ovos de jabuti e os “paus de digestão”, ou seja, grelos de samambaia e suas variações. Outra fonte de alimento eram as roças indígenas de milho, feijão e mandioca, geralmente saqueadas e destruídas como prova da supremacia dos bandeirantes. 
Apesar disso, a fome era quase sempre uma companheira de viagem. Da tropa do capitão Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera, perdida numa grande chapada, morreram vítimas da fome mais de 40 pessoas. Luís Barbalho Bezerra, comandante da bandeira formada para combater os holandeses na Bahia, relatou em seu regresso que a fome foi tanta que os paulistas comeram os poucos cavalos que havia, além de couros, raízes de bananeiras e muitas imundícies. Depois de oito meses de cativeiro entre os índios paiaguás do Rio Paraguai, João Martins Claro, paulista, e Manuel Furtado, do Rio de Janeiro, fugiram nus, sem nada de ferro, e sobreviveram durante alguns meses do ano de 1731 comendo somente frutas, cocos, raízes e gafanhotos. 
Aliás, o governador da capitania de São Paulo, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, impressionou-se com o rotineiro costume entre a gente paulista de comer “bichos imundos e coisas asquerosas”, como o içá torrado (formiga saúva fêmea). Também o bicho-de-taquara, apreciado pelos índios como um manjar, foi largamente consumido pela população colonial. Uns comparavam-no aos miolos de boi, outros, à manteiga fresca. Para matar a sede, apelava-se para as raízes vegetais, como a de umbuzeiro, mandacarus, cipós, taquaruçus e gravatás. 
Animais selvagens e peçonhentos causavam sérios estragos nas tropas. Jararacas, cascavéis, corais e sucuris infundiam verdadeiro horror aos sertanistas. A onça pintada (jaguar) e a onça parda (suçuarana) atacavam viajantes inexperientes, que se descuidavam pelos caminhos do sertão. O maior martírio, entretanto, era resistir às investidas dos mosquitos, responsáveis por incontáveis noites de insônia. Bichos-de-pé, formigas e carrapatos infestavam o cotidiano dos bandeirantes. A rotina tornava-se ainda mais miserável pelo constante temor de um súbito ataque indígena. A ponto de os integrantes da bandeira do alferes José Peixoto da Silva Braga se virem obrigados a dormir em ilhas, enterrados na areia. 
As bandeiras foram a principal atividade da economia de São Paulo até a década de 1690, quando foi descoberto o ouro na atual região de Minas Gerais. Usurparam os territórios indígenas, capturaram milhares de índios, arrasaram aldeias, destruíram etnias e favoreceram a difusão de epidemias. Muitos bandeirantes não voltaram ao planalto – como os primeiros povoadores de Minas Gerais, os que seguiram para o vale do São Francisco e os que foram combater os tapuias (índios não-tupis) e quilombolas no Nordeste.  
Na história da São Paulo colonial, índios de várias etnias, na condição de escravos, contribuíram para a formação de uma sociedade baseada em saberes, técnicas e práticas nativas. A língua geral, por exemplo, foi falada pela maioria da população de São Paulo até 1759, quando acabou proibida pelas autoridades portuguesas. Mas a consolidação de uma elite paulista, enriquecida pela agricultura e pelo comércio a partir do século XVIII, marginalizou as populações indígenas e rompeu com os padrões culturais dos ameríndios. Nesse processo de conquista, os paulistas tornaram-se grandes proprietários de terras, e estas ficaram sujeitas, em definitivo, à soberania da Coroa portuguesa. A verdadeira história dos bandeirantes ia ficando para trás, assim como seu rastro de destruição.
Glória Kok é pesquisadora do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena (CPEI), na UNICAMP, e autora do livro O sertão itinerante: expedições da capitania de São Paulo no século XVIII (Hucitec, 2004).
Saiba Mais - Bibliografia:
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras, 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Fapesp, Hucitec, 2004.
MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Introdução de Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980.
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Fonte:http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/no-mato-sem-cachorro




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